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Quarentena = Peixes e Invertebrados à Prova de Bala

 

Quarentena em Água Salgada

 

É uma escolha difícil, entre colocar o belo peixe que comprámos num aquário magnífico cheio de rocha viva, onde ele pode «picar» à vontade e onde nós o podemos admirar em todo o seu esplendor, ou colocá-lo num aquário sem decoração, a não ser uns tubos de PVC e apenas um filtro de esponja maduro, um termóstato, uma cabeça motorizada e uma calha T8, ainda por cima com o fundo, os lados e até a base pintados de preto.

Bem, mas se considerarmos esta frase do Anthony Calfo, seguramente reformulamos o nosso pensamento - «Não fazer quarentena é o mesmo que jogar à roleta russa. No final não há vencedores, apenas existem jogadores que se mantêm em jogo mais tempo que os outros.»

Por conseguinte, as doenças, as pragas e os predadores acabam sempre por se manifestar. É apenas uma questão de tempo. E quando se manifestam já não podemos fazer nada, porque é impossível tratar peixes num aquário de recife (não existem drogas reef safe eficazes) e, nesse caso, ou morrem todos ou então os que sobrevivem mantêm a doença no aquário até à próxima oportunidade, ou seja, até um qualquer factor de stress provocar um enfraquecimento da imunidade parcial adquirida.

É claro que o nosso aquário de quarentena tem de ter uma qualidade de água irrepreensível, isto é, sem amónia, sem nitritos, com nitratos baixos e bem oxigenada. E tal consegue-se com um filtro maduro (por exemplo, uma ou duas esponjas que se mantêm constantemente na sump) e com mudanças de água de dois em dois dias (por exemplo, usando água do aquário principal, diluída quando for para baixar e concentrada quando for para subir a densidade).

Agora imaginem que embora o peixe não tenha rocha para «picar» lhe podemos oferecer todas as iguarias possíveis e que ele não tem que competir com ninguém para as apanhar. A oportunidade de alimentos que proporciona a rocha viva é, de facto, uma vantagem, mas pode ser suprida se no aquário de quarentena oferecermos uma alimentação rica e variada. Por exemplo:

- Mísis congelada;

- Artémia enriquecida com ácidos gordos e espirulina congelada;

- Cyclopeeze;

- Mistura congelada para anjos e borboletas da SFBB;

- Emerald entree da SFBB;

- Flocos da HBH ou Omega one;

- Comida viva da Amtra;

- Pequenos bocados de rocha do nosso refúgio com macroalgas e bicharocos, se não estivermos a fazer tratamentos com cobre, e até uma rocha com aiptasias que tenhamos por lá a mais se for um Chelmon rostratus;

- Nori;

- Sea veggies do Julian Sprung;

- Reefgel;

- Etc.

 

E tudo isto sem ter mais uns quantos rufias, que se consideram já donos do aquário, a impedir que os novos se alimentem.

Quanto à questão do espaço, argumento muito utilizado para não se fazer quarentena («pobre peixe colocado num espaço tão pequeno, decerto não se vai aguentar»), interroguemo-nos sobre o que é melhor: ter um cirurgião de 10 cm em 50 litros de água durante um mês, repito sem amónia nem nitritos e bem oxigenada, ou ter 6 peixes de 10 cm em aquários de 200 litros (30 litros disponíveis para cada peixe) durante anos, como é comum vermos nos nossos aquários.

 

O maior problema em aquariofilia marinha é, certamente, o controlo de dois parasitas frustrantes: Cryptocaryon irritans (doença marinha do ponto branco) e Amyloodinium ocellatum (doença do veludo).

Todos os peixes deveriam ser postos em quarentena, especialmente aqueles que vão ser colocados num aquário de recife onde não é possível fazer qualquer tratamento que seja simultaneamente eficaz contra os parasitas e seguro para os invertebrados.

Melhor ainda: tudo o que colocamos no aquário principal deveria ficar de quarentena, não só peixes, mas também corais, outros invertebrados, rocha viva e areia viva.

Pôr todos os seres vivos em quarentena e da forma correcta é infinitamente melhor do que termos casos recorrentes de Cryptocaryon ou Oodinium, por introduzirmos peixes com infecções latentes no nosso aquário e cujas infecções não conseguimos detectar porque as lesões são mínimas, devido à imunidade parcial adquirida mas que geralmente se esgota ao fim de seis meses. É claro que quando compramos um peixe sem imunidade e o introduzimos no nosso aquário, se ele morre ao fim de alguns dias ou mesmo horas (devido à enorme quantidade de trofontes existentes no fundo do nosso aquário: embora estes não se consigam agarrar aos peixes residentes pois esses estão parcialmente imunes, chamam um figo ao peixe que entra) culpamos imediatamente a loja porque o peixe já vinha doente. É claro que no meio deste stress, todos os nossos peixes que já lá estavam no aquário começam rapidamente a aparecer com pintas brancas porque a imunidade desce vertiginosamente.

 

As desculpas para não ter um aquário de quarentena são todas esfarrapadas, senão vejamos:

- Custo: é ridículo, tendo em conta a proporcionalidade a tudo o que já investimos no aquário principal;

- Espaço: um aquário de 50 ou 100 litros (conforme o tamanho do aquário principal) ocupa pouco espaço, pode estar num espaço escondido e pode até estar desactivado e ser prontamente instalado se mantivermos as esponjas na sump do aquário principal e o enchermos com água deste. Além de que se monta em meia hora, antes de comprarmos o peixe.

- Eficácia: é total se respeitarmos as regras da quarentena.

 

Muitos autores defendem que se a quarentena for bem feita e se o Cryptocaryon se manifestar e for bem tratado (hiposalinidade ou manter uma concentração de cobre eficaz durante 3 ou 4 semanas) é possível erradicar a doença dos peixes e NUNCA introduzirmos a doença no tanque principal. O Cryptocaryon é um parasita obrigatório e não sobrevive mais de quatro semanas sem hospedeiro, isto é, sem peixes.

É comum ouvir-se dizer (e eu também acreditava nisto), que o Cryptocaryon está sempre presente num aquário. Bastaria ter uma boa qualidade de água e uma boa alimentação para os peixes não adoecerem com pontos brancos (isto apenas é verdade para as bactérias que estão sempre presentes nos aquários e que se tornam patogénicas, multiplicando-se descontroladamente e invadindo os tecidos quando a qualidade de água baixa ou ocorrem outros factores desencadeantes de stress). Ou seja, existiriam sempre formas enquistadas dormentes de parasitas durante largos períodos de tempo. Ora, muitos autores defendem que isto não é verdade, mas sim que o peixe mantém um nível de infecção activa mas ligeira, isto é, que o parasita vai fazendo o seu ciclo mas apenas alguns trofontes se conseguem agarrar ao peixe em tão baixo número que não são visíveis e não causam problemas, desde que a imunidade parcial adquirida se mantenha. Esta imunidade parece resultar no impedimento da aderência da maioria dos trofontes à camada de muco da pele dos peixes. Tal seria perfeito se esta imunidade fosse duradoura (ou seja, os peixes estariam vacinados) mas o problema é que ela é transitória e não parece durar mais do que seis meses. E quando um factor de stress ocorre, provoca uma quebra nessa imunidade e surge um surto de doença.

Assim, se fizermos uma quarentena perfeita e em HIPOSALINIDADE, nos peixes susceptíveis, como os cirurgiões, conseguimos erradicar a infecção. Se tivermos o cuidado de pôr de quarentena tudo o que introduzimos no aquário principal, até corais e rocha viva que podem albergar trofontes durante 3 semanas, poderemos ter uma certeza, quase absoluta, de que nunca introduzimos a doença no aquário.

Podemos dizer que o Cryptocaryon é endémico nos nossos peixes e continuará a ser se não fizermos quarentenas correctamente e tratamentos preventivos ou curativos eficazes (hiposalinidade a 1,011 ou cobre com 0,15 a 0,2 mg/l CONSTANTES durante 3 semanas, no mínimo). E é endémico porque existem infecções latentes e não parasitas enquistados inacessíveis, devido à imunidade parcial e transitória adquirida.

O mesmo conceito pode ser aplicado ao Amyloodinium, embora neste caso o parasita seja resistente à hiposalinidade. Se o Amyloodinium se declarar durante a quarentena, teremos de tratá-lo com cobre durante 3 semanas. O Amyloodinium é um parasita muito mais mortal que o Cryptocaryon e, quando aparece num aquário, são raros os peixes que sobrevivem sem tratamento.

 

CONCLUSÕES

 

Porquê fazer quarentena?

 

As vantagens de fazer quarentena são:

- Permite detectar doenças latentes nos peixes e invertebrados, tratá-las de uma forma segura e eficaz e evitar que sejam introduzidas no tanque principal, o que poderia significar a morte parcial ou total dos peixes e invertebrados introduzidos e/ou dos já existentes;

- Permite detectar e evitar a introdução de pragas e predadores no aquário principal;

- Permite fornecer aos peixes e invertebrados recém-adquiridos um ambiente seguro, sem competição e onde podem recuperar do stress e das feridas produzidos pela colecta e pelo transporte;

- Permite ambientar e habituar os novos residentes às novas condições de água e à nova alimentação. É muito mais fácil experimentar e concentrar vários alimentos diferentes num aquário pequeno sem competição, para que os peixes possam escolher e até alcançá-los. Um bom exemplo é a habituação de moreias e peixes leão a alimentos congelados. Outro exemplo é a quase impossibilidade de habituar uma Rhinomuraena quaesita ou um Dendrochirus biocellatus a comer peixes congelados sem ser num aquário pequeno e específico para os mesmos, devido à sua lentidão a apanhar a comida. Vejamos também a habituação de cavalos-marinhos a misídeos congelados. Ou ainda de peixes difíceis como Zanclus, Platax ou Borboletas a comidas que não sejam corais e espirógrafos;

- Permite fazer tratamentos profiláticos e desparasitações antes de introduzir os peixes no tanque principal;

- Permite, com custos proporcionalmente muito inferiores aos do aquário principal (montar um aquário de quarentena é simples, relativamente barato, aproveitando até muito material esquecido ou posto de lado), evitar muitos dissabores e perdas sendo, provavelmente, por si só, a medida com melhor relação custo/benefício que podemos tomar quando abraçamos este hobby.

 

As desvantagens de não fazer quarentena são:

- Não conseguirmos evitar uma infecção latente e constante de Cryptocaryon e Amyloodinium nos nossos peixes. Quando baixa a imunidade parcial adquirida, devido a factores de stress, geram-se perdas cíclicas crónicas que chegam a dizimar o aquário e fazem com que muitos abandonem este hobby;

- Não conseguirmos tratar os peixes no tanque principal porque, na realidade, não existem medicamentos eficazes contar o Cryptocaryon e o Oodinium que sejam reef safe.

- Não conseguirmos apanhar os peixes doentes a tempo de os transferir e tratar no aquário hospital devido à complexa decoração e esconderijos que um aquário de recife proporciona. Além disso, o trauma resultante do stress da captura é geralmente responsável pela aceleração da progressão da doença ou até pela morte súbita do peixe.

 

Quanto tempo tenho de esperar?

A palavra quarentena significa um período de isolamento de 40 dias mas, na prática, um mês será o período mínimo e um mês e meio o ideal, caso não exista doença. No caso de ocorrência de sinais de doença, o tempo começa a contar após o tratamento. O tratamento com cobre dura, no mínimo, 3 semanas.

 

Dicas para fazer quarentena

• aquários baixos são mais fáceis de iluminar;

• tapar o aquário para os peixes não saltarem;

• pintar o fundo, a base e os lados com tinta escura;

• colocar uma cabeça motorizada à superfície para oxigenar a água;

• ter cuidado com a protecção da sucção;

• não usar um aquário excessivamente pequeno (50 a 100 litros é adequado na maioria dos casos; se quisermos colocar vários peixes em quarentena de uma só vez, um aquário de 200 litros será preferível);

• para filtragem usar uma esponja madura e bomba de ar;

• manter uma ou duas esponjas na sump ou no filtro do aquário principal para usar como filtro no aquário de quarentena;

• usar um aquário para pôr os invertebrados de quarentena e outro para peixes (o aquário de invertebrados pode ser um nano reef);

• usar troços de tubos de PVC de vários diâmetros no fundo para fornecer abrigo e segurança aos peixes (o PVC não absorve a medicação, ao contrário de outras decorações e substrato; também é fácil de remover para apanhar os peixes sem muito stress);

• usar a água do tanque principal para fazer as mudanças no aquário de quarentena (não use o mesmo sifão);

• aspirar regularmente o fundo;

• experimentar vários alimentos;

• medicar logo que apareçam os primeiros sintomas;

• fazer o tratamento completo;

• no caso do cobre manter a concentração de 0,15 a 0,25 mg/l constante (testes diários ou de dois em dois dias e reposição da dose) durante três semanas;

• fazer tratamentos preventivos (hiposalinidade para peixes susceptíveis ao Cryptocaryon; banho de formalina nos palhaços por causa da Brooklynella; extracto de alho na comida como imunoestimulante; desparasitar com prazinquantel para os pontos pretos e ténias intestinais; cobre para o Oodinium e Cryptocaryon se existirem suspeitas de contaminação).

 

Texto: Rui Ferreira de Almeida

Médico Veterinário