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Boas,

Lembrei-me de escrever este texto a propósito do mais recente problema que tive no meu aquário de ciclídeos da América Central: uma infestação de parasitas protozoários do género Epistylis, também conhecida como "falsa doença fúngica". Como infelizmente existe pouca informação em português sobre esta doença — altamente contagiosa e que ocorre com relativa frequência—, achei que não me custava nada perder uns minutos a escrever um texto que pudesse ser útil ao resto da comunidade aquariófila lusitana. Se eventualmente vier a ajudar alguém, já terá valido a pena. Porque a verdade é que apenas encontrei informação relevante sobre esta doença nos meus livros sobre doenças de peixes em inglês e francês, sendo que alguns deles recomendam o uso de formalina (uma solução que não me agrada de todo, por se tratar de um produto altamente tóxico para várias espécies e que pode afectar o crescimento dos peixes em tratamentos prolongados), enquanto outros sugerem o velho método do sal marinho (NaCl, ou seja, cloreto de sódio).

A origem do problema conta-se em poucas palavras. Um amigo cedeu-me uma fêmea Vieja (Paraneetroplus melanurus) adulta, para eu juntar aos que já tenho e tentar formar novos casais. Ora esse amigo tinha tido recentemente um problema de "falsa doença fúngica" no aquário e tinha feito um tratamento à água com um desparasitante externo e adicionado sal marinho. Como ao fim de uma semana os sintomas no aquário dele já tinham desaparecido totalmente (pelo menos na aparência), ele apanhou o peixe e trouxe-mo. Quanto a mim, ansioso por ver como a nova fêmea iria reagir com um macho solteiro que cá tenho, em vez de a deixar de quarentena, pu-la logo no aquário. Confiei que já estava tudo bem com ela e foi asneira da grossa, como se pôde ver quase de seguida, poucos dias depois. O aquário está carregado de peixes, com vários casais a reproduzirem ali e existem guerras permanentes de delimitação de territórios entre eles. Ou seja, estão constantemente a morderem-se, muitas vezes fazem «jaw-lock» entre si e nessas disputas abrem pequenas feridas que usualmente costumam fechar em 2 ou 3 dias.

Só que esse equilíbrio é bastante precário, pelo que a introdução de um peixe novo que pelos vistos ainda não estava totalmente recuperado veio espoletar uma epidemia. Os parasitas trazidos pelo novo peixe atacaram os outros onde eles estavam mais fragilizados (as pequenas feridas abertas pelas brigas...) e lá tive de ir procurar a melhor solução para resolver o problema. Depois de pedir a opinião a vários aquariófilos meus amigos que têm peixes há muitos anos — quando tenho problemas faço sempre isso, pois embora tenha peixes há cerca de 45 anos (já tive aquários de água salgada e lagos mas no momento actual só tenho peixes de água doce), a verdade é que estou sempre a aprender coisas novas com os meus amigos —, cheguei à conclusão de que todos estávamos de acordo no caminho a seguir: não optar pela formalina e avançar com o tratamento por sal marinho. Aliás, permitam-me aproveitar aqui para agradecer ao meu grande amigo Tiago Valadares Tavares — que além de aquariófilo inveterado é o o veterinário que mais sabe de peixes entre os que conheço —, a preciosa ajuda que uma vez mais me deu e a sua paciência para discutir o problema comigo...

 

Protozoários Epistylis (v. g. "falsa doença fúngica"): sintomas, prevenção e tratamento

 

Sintomas:

As colónias de Epistylis assemelham-se a pequenos tufos de fungos, manifestando-se frequentemente na forma de pequenas bolas brancas de 2/3 mm, agarradas ao corpo dos peixes. Geralmente aparecem sobretudo nas superfícies externas mais sólidas do peixe, como os opérculos ou os raios e pontas das barbatanas. Nas escamas dos peixes parecem pequenas bolas de algodão. Nos raios das barbatanas parecem às vezes pequenos quistos debaixo da pele. Muitas vezes surgem acompanhadas de sintomas de infecções bacterianas ou mesmo de feridas infectadas. Quando começa a haver infecção, as bolas costumam ganhar uma cor mais rosa. Em estados mais avançados podem avançar mesmo para feridas ulcerosas vermelhas, sendo nesta fase o tratamento mais demorado (pode demorar até 6 semanas...).

Embora aparentem ser fungos, não o são. Para os aquariófilos inexperientes, a confusão leva muitas vezes a diagnósticos errados e a tratamentos absolutamente ineficazes. Trata-se antes de protozoários do género ciliados, que se caracterizam pela presença de organelos em forma de pêlos, ou tentáculos sugadores, chamados cílios. São organismos perseguidores, pois ligam-se aos peixes que tenham tecidos afectados por colónias de bactérias e alimentam-se desses tecidos. São considerados simbiontes, ou seja não são considerados verdadeiros parasitas, porque se alimentam das colónias de bactérias na ferida do peixe, mas a realidade é que o seu pedúnculo pode penetrar profundamente na pele do peixe atacado e agravar ainda mais os danos causados pela infecção bacteriana já existente, ampliando-a.

Convém esclarecer que a infecção bacteriana previamente existente é que é considerada a principal causa do problema clínico. Ou seja, estes ciliados aproveitam-se da brecha já existente na camada protectora da pele do peixe para avançarem e se multiplicarem. Aliás, suspeita-se que nalgumas espécies, como o gourami gigante (Osphronemus goramy) por exemplo, alguns destes protozoários, designadamente o Epistylis colisarum, sobrevivam permanentemente fixados em peixes saudáveis, não os incomodando minimamente. Ou seja, são inofensivos para o peixe até ao momento em que apareça um ponto de entrada nas defesas do sistema imunitário do anfitrião...

Se houver más condições no aquário — má qualidade de água, sobrelotação, conflitos, stress, etc — ou vários peixes enfraquecidos, a doença é altamente contagiosa e pode provocar uma epidemia, pois a transmissão ocorre através dos protozoários que estejam no estado de flutuação livre na coluna de água. É nessa fase errante, em que os protozoários estão separados da colónia de origem, que se conseguem agarrar a pequenas feridas onde já haja uma população de bactérias para fixarem os seus tentáculos e criarem uma nova colónia.

Seguem-se fotos que tirei aos meus peixes para mostrar como se manifestam os problemas:

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Prevenção:

A melhor forma de evitar problemas é o tratamento oportuno de feridas que possam conduzir a infecções bacterianas externas. Convém ter em conta que há alguns factores que predispõem para o o desenvolvimento destes protozoários e o aparecimento da doença, em particular a existência de poluição orgânica que potencie um "caldo" de bactérias, situação em que o risco de infecções bacterianas aumenta consideravelmente.

Resumindo: como eu costumo dizer aos meus amigos, os parasitas estão para os peixes como as pulgas para os cães. Coexistem sempre, mas se estiverem controlados não há problema. Se sobrevier alguma razão que facilite o seu desenvolvimento, dá-se uma infestação num instante... Ou seja, também os ciliados Epistylis raramente causam problemas para os peixes num aquário se não encontrarem condições favoráveis ao seu desenvolvimento.

Tratamento:

Imersão prolongada em banho de sal marinho (cloreto de sódio), durante 7 a 10 dias, no mínimo, numa concentração de entre 50 gramas e até 200 gramas de sal por 100 litros, dependendo das espécies. Recomenda-se usar sal próprio para aquários e não sal de cozinha, pois muitas vezes o sal de cozinha pode conter aditivos tóxicos. O sal tem também a vantagem de desinfectar e acelerar a cicatrização.

Se viver perto do mar, como eu, pode também adicionar água do mar (captada em zona segura, não contaminada). Para o ajudar a fazer as contas, registe que na costa Atlântica portuguesa a água do mar tem cerca de 34 gramas de sal por litro. Eu costumo adicionar 1 litro de água do mar por cada 100 litros de forma espaçada (3/4 horas de intervalo) até atingir a concentração desejada.

Um diagnóstico precoce é fundamental para o rápido controlo da doença. Note-se todavia que a infecção bacteriana concomitante também deve ser tratada. Nos casos mais graves o tratamento pode ter de se prolongar por várias semanas, tendo de ser reposta a quantidade de sal que for retirada após cada mudança de água. Quando os sintomas desaparecerem totalmente, deve-se efectuar várias mudanças de água significativas para retirar completamente o sal, pois ele não se evapora...

Muita atenção: algumas espécies de peixes, como as coridoras (Corydoras sp.) e os peixes sem escamas são absolutamente intolerantes ao sal. E as plantas também têm uma fraquíssima tolerância ao sódio... Para a malta dos plantados, convém retirarem os peixes para um aquário-hospital.

Bibliografia:

Edward J. Noga, «Fish Disease: Diagnosis and Treatment»

Ronald J. Roberts, «Fish Pathology»

Editado por josegmoreira
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Já agora, na sequência do texto anterior, em que defendi o uso do sal marinho para o tratamento da falsa doença fúngica, deixo ao pessoal uma tabela para facilitar a consulta sobre como podemos usar o sal marinho de forma terapêutica nos nossos aquários...

 

Dosagens de sal marinho para o tratamento de doenças ou alívio do stress
Problema Concentração e duração do tratamento
Parasitas externos de peixes em criação Encher um recipiente externo com água do aquário, adicionar 30 gramas de sal por litro e dar um banho rápido de 15 segundos ao peixe
Parasitas externos (Costia, Epistylis, Trichodina,
Chilodonella e Dactylogyrus/Gyrodactylus
)
:
Método A) Encher um recipiente externo com água do aquário, adicionar entre 10 a 20 gramas de sal por litro e dar um banho de até 30 minutos no máximo (ou até o peixe mostrar sinais de stress)
Método B) Dissolver entre 1 a 2 gramas de sal por litro e adicionar à agua do aquário como tratamento de longa duração
Envenenamento por nitritos Dissolver 5 gramas de sal (uma colher de chá rasa) por cada 20 litros e adicionar à água do aquário (quando os níveis de nitritos excederem 0,5 ppm)
Recuperação de stress (e durante o transporte) Dissolver entre 1 a 3 gramas de sal por litro na água para facilitar a recuperação ou como tratamento preventivo
Editado por josegmoreira
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